Diário, Maldoso Campónio

Touradas, touros, toureiros e outros opinadores de circunstância com e sem IVA…

Declaração de interesses: Nunca fui a uma tourada e é-me igual, em termos de gosto, que continuem as touradas ou acabem já amanhã. Sei que se acabassem amanhã para uns seria o regozijo completo e para outros uma tristeza imensa e sei que os estados de alma extremos, por parte de uns tendem a descriminar outros, discriminação e superioridades morais são coisas das quais eu não gosto.

Touradas:

Agora o que penso sobre as touradas enquanto tradição seja ela arte ou barbárie conforme os olhos de quem para elas olha.

Entendo eu que uns olhos não são mais dignos que os outros enquanto instrumentos de liberdade e que o gosto individual, dentro do que é legal, não deve ser motivo de classificação alheia. Pois não é que hoje, diferenças dessa natureza quase determinam a qualidade moral vista aos olhos de outros? Será o assunto touradas tão determinante que provoque clivagens tão acentuadas e leve a insultos entre apoiantes da arte dos toiros e os defensores da sua abolição? Eu não posso de forma nenhuma entender e menos ainda aceitar essa postura de exacerbada contundência .

É legitimo e aceitável, numa sociedade civilizada e democrática, que cada um defenda as suas posições, lute por elas e tente que a legislação reflita essas vontades. O que não podemos aceitar é que se utilizem métodos fascistas para isso e não se respeite o que a vontade/opinião dos outros determina…métodos fascistas são, no meu entender, o achar que a nossa opinião é a única certa acerca de uma qualquer tomada de posição em termos do que cada um acha aceitável. Tudo isto porque, no meu entender, o grupo da defesa dos animais se tem vindo a constituir quase como uma religião e como todas as religiões é intransigente no que não cabe nos seus cânones. Toda a gente de bem é, em abstrato, contra os maus tratos a animais e não tira nenhum prazer do sofrimento destes, quando muito o sofrimento destes é um dano colateral e nunca o fim em si no prazer que alguns retiram do espetáculo que estes proporcionam, como são os casos das touradas o circo ou a caça. Contra, argumentos demagógicos, apetece-me usar alguns argumentos também da mesma qualidade…alguém sabe se o touro gosta ou não do que faz na arena? Preferiria, caso pudesse escolher, passar pela arena 20 minutos trocando por três, quatro ou mais anos anos de bela vida, ou ser criado em caixas e ir direto para o matadouro ser feito em bifes para alimentação humana? Isto para ultrapassar a questão do “hipotético” consentimento. Até onde deverá ser limitado o usar os animais para dar prazer aos humanos? Será que o cão ou gato que muitos têm no apartamento preferiria viver livre na natureza ou apenas não tem hipótese de escolher e como tal aceita a única coisa que conhece…será que o ter domesticado estes animais é já uma violação dos seus direitos? Mais, ter modelado raças aos gostos humanos é também eticamente condenável ou não? Toda esta retórica apenas para dizer que dar aos animais os mesmos direitos dos humanos é um exercício perigoso e até um bocado estúpido por, na base, ser contraditório com o princípio da defesa dos animais ao direito à sua animalidade ou direito à não humanização. Nisso, da não humanização, o touro é bastante mais livre e tem mais regalias do que a maioria dos animais.

Não tenho muitas dúvidas que as touradas a prazo, por falta de adeptos, acabarão por deixar de existir. Digo-o porque vejo nos mais jovens essa critica ao espetáculo onde para divertimento de humanos se causa dor ao touro como dano colateral…os mais jovens de hoje entendem o sofrimento próprio e o dos animais com uma bitola diferente da dos mais antigos, sendo que essa bitola é consequência da sociedade em que foram criados e terá repercussões até na legislação quando eles forem a maioria eleitoral. Resta-lhes saber aguardar democraticamente por essa altura e sem superioridades morais ir tentando cativar, sem hostilizações desnecessárias, para a sua causa cada dia maior número de adeptos.

Termino o que penso sobre as touradas com uma questão e a minha resposta a ela: teremos, democraticamente e civilizadamente, o direito de privar alguns das tradições, costumes e gostos, legais, com os quais conviveram toda a vida? Resposta: Temos. Pela via da alteração da legislação respeitando em absoluto a vontade da maioria, que no nosso sistema é determinada pelas votações no parlamento eleito ou em referendos. Nas sociedades civilizadas são as leis os instrumentos de validação da ética, com exclusão de todos os outros. Se é legal é eticamente, moralmente, ou seja lá qual for a forma de avaliação, inatacável. Se atacam essas tradições e os seus defensores apenas com base no gosto pessoal ou num conceito civilizacional, de que gostariam, não plasmado na lei, é apenas um estado de alma.

Agora os touros:

Acho os touros animais fabulosos, quase majestáticos, e acho-os bem interessantes enquanto reveladores de pouca mão humana desde que nascem até que vão para a arena e depois para o matadouro. São o que temos, entre os bois, de mais próximo do animal selvagem e originário.

Estes animais vivem três, quatro, cinco ou mais anos de uma vida de grande qualidade em convívio com uma natureza pouco mexida pelo humano e com espaço aberto e comida de qualidade sem stress que vise melhorar a vida do Homem enquanto espécie, contribuindo até para o ecossistema onde são criados…depois começa o tormento do animal com a captura no campo, o transporte, trabalho de curros e finalmente a lide que é a fase que os defensores dos animais mais criticam, esquecendo ou desvalorizando o que está a montante em termos de sofrimento nas horas que antecedem as corridas e os cinco anos de uma vida invejável até para a maioria dos humanos de hoje. Note-se que mesmo os passos anteriores à lide são regulamentados por forma a garantir o menor stress possível ao animal.

Claramente, para mim, ressalta que não é a defesa dos touros que move esta gente que hoje se mostra intransigente com o direito a haver touradas, apenas pela defesa do touro enquanto animal…ou teriam de ir para as quintas de produção de gado ou leite fazer essa defesa perante o atroz sofrimento em que milhões de animais vivem para conveniência da espécie humana, diga-se que honrosamente alguns defensores da causa animal já o fazem e fazem-no com abnegação e dedicação à causa, no terreno e não nas redes sociais ou debates, sem terrorismos ou violência, física ou verbal, contra outros humanos. Fazem o combate anti touradas, enquanto defesa do seu conceito civilizacional, contra outros humanos, servindo-se apenas dos touros como instrumento da sua causa .

O Touro é um animal…não é uma coisa, mas não tem, também, os mesmos direitos dos humanos. Pela nossa legislação, nem sequer é um animal de companhia que são os mais protegidos, no que respeita à criminalização de quem os maltrata ou viola os seus direitos.

Quero continuar a ver touros bravos de lide nos campos com as suas peles luzidias e espalhando força bruta na natureza, já que eles são um regalo para a vista…tenho muitas dúvidas sobre essa possibilidade de continuar a vê-los, se acabarem com as touradas. Quem produzirá touros bravos de lide se acabarem as touradas? Podemos ter aqui uma grande incongruência, que é serem os “defensores” de uma espécie os causadores da extinção dessa mesma espécie.

Toureiros:

Chamo toureiros a todos os que gravitam à volta dos touros, desde o mais desconhecido campino, passando pelo inseminador das vacas bravas, até ao cavaleiro bem vestido ou o bandarilheiro cheio de lantejoulas que ficam famosos nas arenas, não esquecendo os valentes forcados.

Deverão, todos, estes vir a ser privados de fazer o que gostam, do ganhar o seu pão, sentir-se até diminuídos moralmente por quem chama bárbaros aos defensores da continuidade da atividade tauromáquica por terem uma profissão, quando elas, as suas profissões, todas são legais? Resposta: Julgamos que não.

Parafraseando Costa, o nosso PM, na carta a Alegre… gosto de mudanças tranquilas, sem revoluções, porque permitirem que as dinâmicas da mudança proporcionem aos que perdem com essa mudança o tempo necessário para se adaptarem às novas realidades sem os sofrimentos causados pela violência do choque.

Terão mais direitos os touros do que alguns humanos? Resposta: Temos a certeza que não.

Como tal preocupa-nos mais o sofrimento que uma brusca alteração traria a muitos humanos que vivem e dependem das touradas do que o sofrimento dos touros, até que as leis sejam mudadas por vontade da maioria dos deputados escolhidos pelo povo ou então por um referendo com esse fim, acabarem, hipoteticamente, com as touradas.

Opinadores de circunstância com e sem IVA:

Muitos acerca deste tema vão opinando e querendo ter razão têm recorrido a estratégias mais ou menos elaboradas, mais ou menos inteligentes, mais ou menos poéticas, para defenderem a sua dama, seja ela pró ou contra a tourada.

Querer descriminar em termos de impostos uma atividade, seja ela mais ou menos cordata, parece-nos uma injustiça e defendemos que espetáculos do mesmo patamar de atividade económica devem pagar os mesmos impostos… sem mais. Serve, este nosso raciocínio, para a tourada e para todos os outros espetáculos em recintos fechados ou no largo central da aldeia.

Comparar o IVA do bilhete das touradas a fardas de bombeiros, a pão ou vinho, a atividades médicas ou a pornografia mais não é que uma bacoquice de quem quer argumentar em defesa da sua causa e a quem não interessa a inteligência da argumentação. É claro que é obrigação de cada um o lutar pelo pagar o menos impostos possíveis garantindo a qualidade dos serviços que o Estado presta…também esta ideia serve para todos, desde donos de cabarets até ao produtor de milho da minha aldeia. Assim cada um que ache que paga impostos que se fossem mais baixos não alterariam o equilíbrio orçamental do Estado tem a obrigação de cidadania de lutar pelo abaixamento desses mesmos impostos ou por  melhores serviços públicos.

No caso das touradas, a maioria dos que se insurge contra a medida da equiparação da taxa de IVA das touradas à taxa de IVA de outras atividades artísticas, não tem a mínima ideia do impacto de tal medida no orçamento. Todos os que acham que com impactos semelhantes também poderiam ter taxas reduzidas de IVA, se o não reclamam são otários e maus cidadãos. Mas a maioria destes que se insurgem contra as touradas servem-se do IVA não pela questão dos impostos em si, mas pela vontade de dificultar a vida às atividades tauromáquicas sem saber que isso apenas atingirá o preço dos bilhetes e dessa forma os que eventualmente querem ir à tourada e são menos abastados.

Contrariamente ao que disse o nosso primeiro ministro, embora o tom cordato da sua carta me agrade, a discriminação negativa do imposto para as touradas não é de maneira nenhuma uma ajuda ao encaminhamento civilizacional da nossa sociedade numa determinada direção, é antes o tornar mais elitista e menos popular o acesso às touradas. Este conceito vindo da esquerda, seja a esquerda urbana a que alguns se referem, ou a esquerda soft dos partidos do centrão é para mim, adepto da igualdade, um choque.

No caso das touradas ambas as coisas são legitimas, querer ou não querer espetáculos das touradas, por isso devemos aceitar e respeitar as duas correntes de opinião e ainda a dos neutros, como eu, na questão. Mas detesto ser enganado ou manipulado…a questão do IVA não é central no assunto e foi apenas um tiro no pé da parte do governo, tiro que a direção do PS deve ter percebido que traria, por enquanto mais prejuízo do que beneficio e tratou de mudar através da bancada parlamentar…agradando assim a uns e outros. Alguns tontos, alguns adversários políticos do governo e alguns oportunistas tentarão agora tirar partido deste aparente desacerto.

No alinhar com o primeiro ministro na sua “doce” carta a Alegre, digo: numa sociedade civilizada seria proibido proibir. Seria proibido porque era desnecessário, todos seriam respeitados se o que fazem ou defendem tem enquadramento legal. Sim, nas sociedades civilizadas, respeitam-se as diferenças de entendimento ou de gosto pessoal entre cidadãos, sem tratar como burros ou trogloditas todos os que não estão alinhados com o entendimento de quem está do outro lado da barricada. Quando a maioria está em desacordo com a lei…mais não tem que fazer que levar os seus deputados eleitos a mudar a lei. Se por hora, como parece, tal é impossível de admitir, é-o, ainda, porque o estado civilizacional da maioria ainda não está para aí virado. Resta, pois, aos “anti touradas” saber esperar educadamente, continuando a fazer o seu caminho e, certamente, chegarão lá, a menos que voltem tempos de agrura e dificuldade, disso não tenho muitas dúvidas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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