Sócrates está de novo em liberdade com, mais um, comunicado patético da procuradoria da república. É que para os mais distraídos e menos conhecedores, ele, Sócrates, sairia de qualquer maneira no próximo mês por atingir o tempo máximo admissível de prisão preventiva.
Como já havíamos, noutros escritos, antecipado, o MP com a total aceitação do Juiz de instrução iria aligeirando as medidas de coação propostas até ao libertar do homem por não terem ainda acusação e por não terem cara para fazer de outra forma em consequência da forma atabalhoada como detiveram e colocaram em prisão preventiva e o mantiveram preso para investigar num claro ataque ao espirito das leis que fundamentam a prisão preventiva.
Após a recusa pelo tribunal da relação do requerido pelo MP numa manobra para tentar obstaculizar à publicidade interna do processo, já anteriormente decretada, e colocado assim o MP perante a possível nulidade de todos os atos posteriores a 15 de abril de 2015, porque seria a data limite para o segredo de justiça, segundo o acórdão do tribunal da relação. Ora perante esse conjunto de factos e numa atitude defensiva da própria face começaram a aligeirar as medidas tendo ainda assim numa atitude vingativa, perante a recusa da pulseira, mantido a prisão preventiva quando já poderia estar em liberdade a aguardar a acusação e o julgamento.
Um processo com dezenas de milhares de páginas, com milhares de documentos para analisar e em simultâneo com outros processos complicados, impedem tanto o MP como o Juiz de Instrução de prestarem a necessária atenção a todos pormenores de uma situação como esta por tal ser humanamente impossível. Numa clara violação do espirito da lei e sujeitando os arguidos a situações injustas e desnecessárias, muitas das decisões tomadas pelo Juiz de Instrução depois de promovidas pelo MP são absolutos exercícios de adivinhação com base em perceções da realidade, retorcendo depois o entendimento das leis e encontrando sempre no emaranhado legislativo enquadramento para que justifiquem as suas decisões sem que isso possa ser bem escrutinado pelas defesas por inacessibilidade aos processos por respeito ao segredo de justiça.
Podemos agora estar perante um caso de motivo de vergonha para a nossa justiça, e que poderá até ter custos para os contribuintes, como é agora uso dizer-se, já que não tardará a ser pedida uma indemnização por erro grosseiro na manutenção do segredo de justiça quando ele já não era legal… entre outros possíveis motivos de indemnização.
Junta-se ao trabalho do MP e do Tribunal de Instrução os despachos de alguns tribunais superiores que mantiveram as decisões do Juiz de Instrução e até teceram considerações pouco abonatórias da função que exercem. Todos se devem ainda lembrar da célebre frase da sabedoria popular que fazia parte integrante de um dos despachos: “ quem cabrito vende e cabra não tem, de algures lhe vem”. Coisa de uma deplorável pobreza intelectual inadmissível num juiz de um tribunal superior.
Sem a absoluta certeza do que apreendemos daquilo que vemos, ouvimos e lemos, diríamos que muitas vezes as decisões dos senhores magistrados mais não são que um arrazoado de intuições e percepções e que sem escrutínio de ninguém são fundamentadas em preceitos legais que não podem ser aferidos em tempo útil que permita a defesa capaz de um arguido e que nunca resultam em séria responsabilização e penalização correspondente em caso de erro por parte dos senhores magistrados.
A situação de Sócrates é preocupante por existir mas sabemos que ele se defende bem e tem capacidade económica e intelectual para tal. Mas e quando o arguido é pobre anónimo e menos dotado de capacidade intelectual? Muitas vezes com advogados oficiosos com muita vontade mas nenhuma experiência e sem os meios necessários para fazer uma defesa capaz. Nestes casos os possíveis abusos e entendimentos errados da lei por parte dos magistrados não têm nunca o devido escrutínio, em claro prejuízo das defesas e tratamento dos arguidos mais frágeis.
Vamos agora, pelo mediatismo e atabalhoamento na condução do processo, sujeitar-nos a que o MP tenha de escrever uma qualquer acusação já que o arquivamento seria uma verdadeira vergonha monumental a que os senhores magistrados não vão querer sujeitar-se.
E se ao abrigo do que atrás foi dito, se a acusação até se pode entender, já a condenação com base nos mesmos preceitos e sentenciada pelo Tribunal será uma coisa absolutamente criminosa mas que de todo não nos surpreenderia por amenizar os erros para trás cometidos por magistrados camaradas de corporação de quem julgará e sentenciará.
Por tudo o que vamos vendo, e sabendo que a justiça tem mão mais pesada para quem é mais pobre e não se pode defender bem, que não é o caso de Sócrates, mas tendo como exemplo algumas condenações com base em fundamentações muito estranhas (ressonância da verdade), o atual estado da justiça assusta-nos de sobremaneira. Não podemos de maneira nenhuma aceitar um estado judiacialista em que os magistrados têm quase plenos poderes não existindo ninguém, com enquadramento legal, que os responsabilize seriamente pelas suas falhas e negligências.