Parece que se chegou ao fim mais uma novena, triste e penosa, que tivemos de aturar por largos dias, cerca de noventa, nas televisões e rádios e que é a denominada comissão parlamentar de inquérito sobre o chamado caso BES.
Ora vejamos o que para nós dela ressalta:
1– Os deputados, para nós parte mais importante da farsa, por serem os únicos que foram eleitos pelo povo, posicionam-se antes de mais para fazerem o frete ao partido que representam e, sejam da oposição ou do governo, pretendem mais que tudo obter ganhos político-partidários.
Neste caso as perguntas, juízos e opiniões de cada deputado, inclusive o presidente da comissão nas suas intervenções, são dirigidas de forma a defender ou condenar o governo, dependendo isto de serem dos partidos que o suportam ou da oposição.
Independentemente de uns serem mais astutos, mais inteligentes e mais conhecedores das matérias do que outros, como ressalta claro do que se foi observando, o desiderato final era apenas o de defender a sua corporação muito mais do que o de apurar a verdade e dela extrair as justas e pertinentes consequências. Se calhar é assim, porque nos parece que estas comissões são quase uma coisa simbólica, e nunca vimos sair de nenhuma, coisa palpável ou consequente.
2– Os reguladores, passearam pela comissão como se não fossem parte comum no interesse público e a única coisa que tentaram foi e tão só, justificar as suas ações ou a falta delas.
Dos membros das entidades reguladores que passaram pela AR como inquiridos, vamos falar só de dois porque são os mais altos representantes das suas entidades e como tal seus responsáveis máximos.
Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, parece que andou a dormir todo o tempo e só acordou para a realidade quando o BCE deixou de apoiar o financiamento do BES. Três meses antes dizia publicamente que o banco era sólido, e a acreditar no nosso meio-morto presidente da república, até a este deu informações que se mostraram claramente falsas.
Independentemente de mais ou menos emocionado e triste com o facto de uns quantos lesados pelo engano a que foram sujeitos, tanto no aumento de capital como na compra de papel comercial, lhe chamarem gatuno teve um discurso pouco esclarecido e nada convincente da bondade das suas atitudes… Mesmo aceitando que no imediato a resolução seja a solução mais económica e mais rápida, veremos no futuro após a litigância que se perfila se a coisa fica barata ou não.
Sabemos que para medida de fim-de-semana podia ser pior, é verdade, pena é que gente paga a peso de ouro e que nos dizem sabedora das matérias, só perceba o que se passa no fim de as coisas acontecerem… Para isso existem as unidades de bombeiros e não um regulador com capacidade de observar por dentro as entidades bancárias de forma legalmente invasiva. Por isso parece-nos o senhor governador muito fraquinho no desempenho das suas funções e como tal não pode ser, de maneira nenhuma, isentado de culpas ainda que só de índole moral.
O outro regulador, Carlos Tavares em representação máxima da CMVM, sendo mais eloquente e parecendo seguro do que diz comparativamente com o seu par do Banco de Portugal, escudando-se maioritariamente na lei que de facto protege as insuficiências dele, se calhar de forma não ingénua e dirigida mesmo, a lei, ao serviço dos banqueiros e acionistas, facto a que o lobby destes não será decerto inerte aquando da sua feitura. Ressalve-se que ele por diversas vezes mostrou discordar da legislação.
Da CMVM parece-nos que a falta grave terá sido permitir o aumento de capital do BES, quando este já estaria em condições de inviabilidade, aumento com seu prospeto que tem de ser aprovado por esta entidade, sem ter acautelado devidamente a situação e obrigações a que o BES estava obrigado e que não o deixariam em condições de satisfazer as expectativas criadas a quem se tornava dono de capital do banco.
Parece-nos assim que também a CMVM não estará a salvo de algumas falhas na caracterização do risco que este banco representava e também por não ter percebido os problemas e assim ter ficado impedida de acautelar possíveis danos para o banco e seus acionistas ou causados pelos acionistas a terceiros, por continuarem a existir movimentos bolsistas de ações do banco quando de todo tal já não era recomendável.
3– Chegamos agora aos administradores, destes falaremos em conjunto e um pouco especialmente de Zeinal Bava e com pormenor e exceção Ricardo Salgado, ao qual daremos tratamento singular neste escrito de opinião.
Diremos destes senhores que todos usaram da mesma técnica, um certo saber estar calmos perante a desgraça, ao que não será alheio o valor das suas economias e posses materiais, foram respondendo de forma razoavelmente estudada e pensada por muitas horas, condição que só pode ser alcançada por dias de preparação para a coisa que é uma inquirição numa comissão parlamentar de inquérito. Talvez seja possível nestas declarações dos tais gestores de topo, assinalar que Zeinal Bava foi o que se preparou menos e o que abordou a coisa de forma mais sobranceira, ligeira mesmo e se calhar até achando que se estava borrifando para aquilo e que os deputados não mereciam muita atenção, foi incompreensível no que disse e quando nem sequer sabia o que era correto dizer, puxava do esquecimento e resolvia o caso na hora… Não, não cremos que tal atitude tenha sido por amadorismo, nem na comissão nem nas decisões de gestão na PT. Tal epiteto de amador, proferido por Mariana Mortágua, deve ter tido no inchado e couraçado Bava o mesmo impacto que uma ferroada de mosca num carro de combate alemão dos usados na segunda guerra mundial.
De todos eles ressalta que têm muito mais conhecimento das coisas que aquilo que dizem saber na comissão, sempre numa atitude mais de se defenderem a eles próprios do que de alcançarem a verdade dos factos e com ela contribuírem para o objetivo destas comissões, a descoberta da verdade em toda esta situação.
Também eles, porque terão a sua assinatura em muitos documentos e contratos, uns bons outros maus, e que foram com virtudes e defeitos o que trouxe o BES ao sítio onde chegou, serão solidários na responsabilidade de tudo o que correu bem ao banco e, como não poderá deixar de ser, também no que correu mal e que como se pode ver foi quase tudo.
4– Temos depois os responsáveis políticos, que ao que parece têm mais responsabilidade na solução a que se chegou, do que aquilo que também eles querem deixar transparecer, ouvimos mesmo a ministra Albuquerque dizer, numa clara atitude de decisão politica, que prefere arrepender-se por ter dito que não, do que arrepender-se por ter dito que sim à ajuda que foi pedida pela administração do BES ao poder político.
Não sabemos em que se baseia essa sua presunção, talvez na esperança de se não vir a arrepender, porque em termos de custos para o erário público e logo para os fustigados contribuintes, estamos longe de saber qual seria a melhor solução. Saberemos quando a senhora já não for ministra com toda a certeza.
Uma coisa já se sabe e com firmeza, é que há prejuízos a suportar e se não for o estado serão entidades privadas e que sendo a maioria delas nacionais, o prejuízo não foge do país… Saber-se-ão os danos mais para diante, embora alguns já estejam visíveis como no caso da PT.
Na atribuição de culpas e sem cair na tentação de colar a nossa forma de ver as coisas a esta situação, porque iria-mos por outro caminho, diremos que no curto prazo a decisão política de se ter ido por esta resolução, por conselho do Banco de Portugal ou encomendando-a ao Banco de Portugal, coisa que humildemente ainda não entendemos, parece ter acalmado o que poderia ter sido uma catástrofe económica para o país. E contrariando Maquiavel (“Quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, deve fazê-lo de uma vez só.” ) julgamos que acomodaremos melhor o mal se ele vier em doses pequenas e diluído no tempo, ou seja mesmo que na litigância já falada o estado português venha a perder milhões ou milhares de milhões, esses custos sendo diluídos no tempo, embora graves e nefastos, serão comportáveis. Por enquanto deixamos o governo a salvo das culpas neste tenebroso processo.
5– Ora chegamos agora ao alvo maior das iras do pessoal e até mesmo de certos deputados da comissão de inquérito, Ricardo Salgado o denominado “dono disto tudo”. Correndo o risco de sermos precipitados e até o de sermos mal entendidos, desde já dizemos que temos a certeza que o homem não é o “culpado disto tudo”, não é possível a ninguém por mais atitude concentradora que tenha, tomar todas as decisões que foi preciso tomar para chegar até onde o grupo Espirito Santo do qual o BES fazia ou ainda faz parte chegou.
Terá sido o cabeça de cartaz do BES por muitos anos, com tudo o que foi feito de bem pelo banco e o que agora vemos que foi feito de mal. Não podemos é esquecer que as opiniões do homem foram o que levou muita gente a obrigar José Sócrates a solicitar o apoio da Troika em 2011 e nessa altura ainda gozava de uma impoluta reputação, falando mesmo em nome de toda a banca.
Na comissão, começou por tentar defender-se, atitude compreensível, mas de pouca utilidade para o apuro da tal verdade que se “almeja” em sede de comissão parlamentar, isto na sua primeira presença onde apareceu superiormente preparado e com uma determinada lição bem estudada, expondo com superior sapiência aquilo que na altura julgava ser o suficiente para acalmar as hostes. Nas respostas, admita-se que a coisa não é fácil, após horas a ler os seus escritos foi bombardeado por mais horas com perguntas, algumas mais parecendo juízos de valores e até técnicos que perguntas inteligentes e que levassem o homem a ir abrindo a guarda, de forma que na altura nos pareceu ziguezagueante e pouco entendível.
Já na sua segunda ida ao parlamento, veio mais determinado a chamar as coisas pelos nomes e deu o seu entender dos acontecimentos, com datas, e atribuindo culpas claramente ao Banco de Portugal pela estratégia usada na resolução e não deixando de apontar os pedidos de apoio e até fornecimento de informação, que pediu e deu ao poder politico…
Diz-nos que o banco precisava de tempo e alguma ajuda financeira de urgência, segundo ele seria até menos do que a que teve de ser injetada no Novo Banco, e que o estado teria para com o BES essa obrigação pois o banco já havia estado na salvaguarda do estado muitas vezes. Tal nem sequer nos custa a aceitar e se calhar poderia ter-se encontrado uma maneira de ser possível, sem esta divisão em banco bom e mau que ainda não sabemos o que custará nem quanto efetivamente custará em termos financeiros.
Sabemos que nesta segunda ida ao parlamento Ricardo Salgado foi instado a pedir desculpas por um senhor deputado e que sofreu tentativa de ser enxovalhado por uma senhora deputada, ambos da área da governação. Nestes dois casos que ouvimos com alguma atenção diremos que a pequenez dos deputados quando comparados com o homem é assustadora. Ele sabe tudo da arte da banca, com suas ruas estreitas entre o legal e o imoral, domina os procedimentos na perfeição, conhece tudo dos meandros da banca e preparou-se bem para as perguntas, quase ridicularizando a comissão por serem tão pouco sabedores e querendo a todo custo já ter a decisão de quem é o culpado na situação.
Ricardo Salgado, por certo a coberto das suas posses, sabe que isto se vai arrastar por anos na justiça e que vai aí ter a oportunidade de se defender convenientemente e que as conclusões da comissão de inquérito de pouco ou nada servem, que não seja o tal defender da honra dele e da família de que sempre fala. Julgamos mesmo que as suas idas ao parlamento iam mais nessa direção que outra coisa qualquer. Para o conseguir, precisa mesmo mostrar que o dinheiro não foi para o bolso de ninguém da sua família e que está nos negócios do grupo ou saiu pelos prejuízos. Não nos custa aceitar esta sua versão, custavam-nos a aceitar os lucros astronómicos de outros tempos, sempre nos pareceram fictícios. Tendo mesmo em vários fóruns sido dito por nós que a seguir faliriam os bancos, tal como se tem vindo a verificar.
Concluiremos esta análise, dizendo que a comissão pode até ter alguma utilidade, se mais não tiver, ocupa os deputados que não sabemos o que fariam se não tivesse havido caso BES. Mas assim à primeira vista, não vislumbramos grandes ganhos advindos de tais trabalhos. Não seria o ministério público, devidamente capacitado, a entidade que devia apreciar esta situação sem mais delongas e com as dotações de meios humanos e materiais necessárias ao apurar da verdade, sem interesses políticos e eleitorais por trás do que se quer obter? Claramente, julgamos que sim.
Se quisermos, os cidadãos comuns, opinar e concluir sobre quem é o culpado de tudo o que aconteceu ao BES e suas consequências, com base nos que esta comissão de inquérito nos trouxe, que não foi mais que sublime manipulação, e uns quantos momentos humorísticos de fazer ir às lágrimas não fora a seriedade da situação, somos maus como cidadãos e temos os banqueiros e políticos que merecemos.