Hoje corrupção, porque por vezes damos por nós a tentar perceber certas coisas, que confessamos só nos perpassam pela mente em alturas que mais se fala de certos crimes.
Agora muito se fala de corrupção, tanto porque os bancos entram em colapso por gestões presumivelmente ruinosas, ou porque uns, ao que parece, enriquecem porque emitem mais facilmente uns vistos Gold, porque se investigam/arquivam suspeitas de corrupção no caso submarinos e o José Sócrates, ao que parece, recebeu luvas por ajudar nuns negócios.
Vamos fazer umas perguntas para que a palavra corrupção seja mais bem interpretada:
Pode-se retirar dinheiro das contas do estado e coloca-lo numa conta particular?
Quando o estado faz concursos ou adjudicações, cumpre as regras legais ou não?
As tesourarias públicas podem dispor de dinheiros sem estarem devidamente orçamentados e cabimentados?
Os concursos e compras por adjudicação direta são uma prática aceite por todos e legal ou não?
Os interessados podem ou não escalpelizar todos os procedimentos?
A oposição política a quem governa e os concorrentes têm ou não acesso aos processos de compra e concursos?
Ora colocadas as anteriores questões depois de respondidas se achamos que a lei funciona, não vemos como, possa haver corrupção que não seja a leve coisa de tentar agilizar algum procedimento a troco de uma simpática recompensa, prejudicando com isso os demais por não lhe serem agilizados os seus processos. Mas não porque esses funcionários roubem ou desviem dinheiros públicos. A nós parece-nos que é impossível retirar dinheiro da contabilidade pública sem deixar disso rasto claro.
Então qual é o processo que permite a alguns enriquecerem sem que se perceba facilmente de onde vem o dinheiro? Isso será corrupção ou outra coisa qualquer?
Para os mais adeptos da teoria da conspiração fica fácil, perante as suas dificuldades, atribuírem a culpa das suas desgraças aos outros, sobretudo se os veem com mais posses e com vidas mais desafogadas. Esquecendo que o que determina o funcionamento de uma sociedade é o modelo que lhe subjaz muito mais do que quem a governa, seja tal governação mais ou menos defensora do tal modelo.
Hoje na Europa ocidental temos um modelo societário assente em cima do mercado concorrencial e da livre iniciativa, até atribuímos sucesso, e pasme-se, mesmo inteligência a alguém que acumula riqueza ou que a ostenta pelo menos. Misera sorte, estranha condição.
Mas o mais estranho nisto tudo é que ao modelo não vemos muitos a criticar, apenas acusando as suas fragilidades mas atribuindo sempre culpas delas a partidos ou a pessoas não percebendo que ao estado e às leis mais não resta que reagir ao que vão percebendo que acontece.
Ora se o modelo dá ferramentas e até promove essa doação defendendo a livre iniciativa e catalogando como bem-sucedidos os mais ricos, independentemente de enriquecerem de forma mais ou menos clara ou com a usurpação da força de trabalho dos funcionários pagando-lhes salários miseráveis. O modelo também enriquece pessoas porque são conhecidas de gente bem colocada ou mesmo só porque carregam um apelido outrora importante , não podemos pois surpreender-nos que certas pessoas adotem determinados comportamentos. Esses comportamentos são intrínsecos à humanidade e às suas inerentes fraquezas.
Quando dizem que são roubadas pelo estado, as pessoas entendem que o dinheiro é delas e que estão a ser usurpadas dele para alimentar o enriquecer de uns quantos, mas culpam as pessoas que governam ou governaram e nunca o modelo. Entendem também, que um sistema só é livre se os deixar utilizar o seu dinheiro como querem, mas criticam quando alguns usam o que é deles e até algumas posições que ocupam para recolher benefícios em relação a negócios.
Os Estados Unidos da América, pelo menos isso perceberam e legalizaram o lobby, a união europeia admite e legalizou os lobistas embora o influenciar negócios não seja objetivamente assumido, mas ainda assim já representa o reconhecimento que este modelo funciona em cima de certos relacionamentos e que o poder económico tem o direito de influenciar certas coisas. No nosso entender erradamente, mas aceitamo-lo sem dificuldade e sobretudo sem hibridismos, neste modelo ocidental de sociedade.
Agora chegaremos ao cerne do que queremos dar a entender a partir de um determinado (o nosso) ponto de vista.
Se o dinheiro de um determinado negócio com o estado, chega às mãos de uma entidade ou pessoa privadas, de forma licita e transparente, essa entidade ou pessoa tem o direito a fazer o que quer com ele ou não, desde que forneça o bem ou serviço nas condições contratuais?
Demos pois um exemplo:
Num concurso público de valor que obriga a que seja internacional, caso das PPP, das remodelações das escolas, TGV, aeroportos e outros negócios de volume significativo, os procedimentos sendo claros e transparentes, até escrutinados e admitidos pela UE, e a escolha do vencedor não contestada por ninguém, nem concorrentes nem oposição politica, depreendemos que o procedimento seja legitimo.
Outras perguntas: as opções políticas e os programas eleitorais dos partidos são ou não peças que poucos leem ou conhecem? É ou não legítimo a um governo democraticamente eleito tomar decisões politica tais como colocar a concurso obras públicas e fazer aquisições de bens e serviços? Parece-nos que as respostas corretas não são difíceis de alcançar.
Fácil é tentar encontrar culpados personalizados para uma corrupção generalizada e que é culpa coletiva. Ela, essa corrupção não é mais que a aceitação do modelo e querer o bem pessoal antes do bem coletivo. Um tal de hibridismo de valores: se é para nós é aceitável, se os outros fazem o mesmo é vigarice.
Fica uma citação que vai na direção do que pensamos:
A corrupção social ou estatal é caracterizada pela incapacidade moral dos cidadãos de assumir compromissos voltados ao bem comum. Vale dizer, os cidadãos mostram-se incapazes de fazer coisas que não lhes tragam uma gratificação pessoal.
Calil Simão ( advogado, jurista, professor e escritor brasileiro)
Ora a corrupção segundo o sítio do DGPJ é o seguinte:
“Genericamente fala-se em corrupção quando uma pessoa, que ocupa uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço.
O Código Penal português prevê o crime de corrupção no quadro do exercício de funções públicas (artigos 372.º a 374.º-A), embora a corrupção possa existir nos mais diversos setores de atividade.
O crime de corrupção implica a conjugação dos seguintes elementos:
- Uma ação ou omissão
- A prática de um ato lícito ou ilícito
- A contrapartida de uma vantagem indevida
- Para o próprio ou para terceiro
A corrupção pode ser ativa ou passiva dependendo se a ação ou omissão for praticada pela pessoa que corrompe ou pela pessoa que se deixa corromper.
Por exemplo, quando alguém entrega dinheiro em troca de um favor, pratica um crime de corrupção ativa. Quando alguém recebe dinheiro para cumprir ou omitir certos atos, pratica o crime de corrupção passiva.
Fala-se de corrupção pública ativa quando uma pessoa diretamente ou através de outra pessoa, para si ou para outra pessoa, faz uma oferta, promessa ou propõe um benefício de qualquer natureza, a um funcionário público para que este cumpra ou se abstenha de cumprir um determinado ato.
Fala-se de corrupção pública passiva quando um funcionário público pede, aceita ou recebe, diretamente ou através de outra pessoa, para si ou para outra pessoa, oferta, promessa ou benefício de qualquer natureza para cumprir ou se abster de cumprir um determinado ato.
A corrupção será para ato lícito se o ato ou omissão não for contrário aos deveres de quem é corrompido, caso haja violação desses deveres, então trata-se de corrupção para ato ilícito.
O elemento determinante no crime de corrupção é o elo de ligação entre aquilo que é prometido ou entregue e o objetivo que se pretende alcançar, a saber a adoção de um determinado comportamento. Existe corrupção, mesmo que o ato (ou a sua ausência), seja ou não legítimo no quadro das funções desempenhadas pelo interessado, não se tenha realizado. Da mesma forma existe corrupção qualquer que seja a natureza ou o valor do benefício.
O ato unilateral de oferecer, dar, solicitar ou receber uma vantagem, é suficiente para existir corrupção. O acordo entre as partes constitui uma circunstância agravante do crime.”
Em que pode um primeiro-ministro, ministro ou um secretário de estado corromper ou ser corrompido? Ele despacha pagamentos ou é júri nos concursos? Licencia obras ou outros empreendimentos? Será por acaso um funcionário público? Mesmo quando despacha favoravelmente ou indefere um qualquer empreendimento ou compra, esse cidadão em funções públicas respeita ou não os procedimentos protocolares e os pareceres técnicos dados por especialistas que estão na cadeia de informação dele? Se não respeita os pareceres ou prescinde deles e com isso favorece terceiros ou a ele próprio aí sim configurará um crime, que nem sabemos se se enquadra no crime de corrupção, será mais favorecimento pessoal, julgamos.
Já se politicamente lança obras ou faz aquisições/compras, concordemos ou não com a sua necessidade, se os concursos respeitam as regras da administração pública e com isso alguns (empreiteiros/fornecedores), ganham dinheiro, que crimes cometerão os titulares de cargos políticos?
Agora vamos mesmo ser absoluta e provocatoriamente liberais, se depois esses empreiteiros derem esse dinheiro, legitimamente ganho a quem querem, até mesmo que seja ao secretário de estado, ao ministro, ao Portas ou ao José Sócrates, têm ou não esse direito? E se lho derem na Suíça teriam de pagar cá impostos? E se o dinheiro que lhe derem nem for ganho nos negócios realizados em Portugal, também é crime cá na urbe?
Ficam as perguntas em jeito de ironia para tentar desassossegar consciências e tirá-las do doce afago que dá encontrar um culpado para os males da sociedade. Como se os males fossem culpa de uma só pessoa.
O problema está no modelo onde se dão ferramentas aos indivíduos para cometerem atrocidades sociais em nome da iniciativa privada e do mercado, quanto mais ricos se tornam mais ferramentas terão, mas depois são perseguidos como se foram animais, se por acaso, na lupa de um qualquer juiz ou procurador do MP armado em justiceiro é encontrada qualquer partícula menos transparente. Desperdiça-se primeiro dando ferramentas e gasta-se depois a perseguir, julgar condenar e prender. Triste condição.
Uma coisa, sabemos: se cada cidadão for passado à lupa, todos à sua escala, têm defeitos censuráveis pelos seus concidadãos, censura movida sobretudo por uma certa inveja de não estarem no seu lugar em termos de benefícios ou mesmo só por sentirem que os benefícios dos outros são inversamente proporcionais aos seus prejuízos.
Com isso fazem juízos emocionais e que até são aceitáveis no dia em que são chamados a votar, mas completamente inaceitáveis em termos de julgamentos na praça pública condicionando dessa forma os menos esclarecidos e até a decisão dos tribunais e fazendo dessas pessoas os novos presos políticos em suposta democracia e liberdade de expressão. Se a lei é injusta, justo é desobedecer, citando Gandhi e que é o que achamos que deveriam fazer todos os injustamente detidos e mantidos em prisão preventiva.
Temos um povo mal formado, mal informado, mal esclarecido e manipulado que precisa de culpados para todas as suas desgraças. Porque se falará mais de corrupção em tempos de míngua? Porque quando há dinheiro com fartura ninguém se preocupa muito com o enriquecimento de outros. Os bons apenas se distinguem dos maus em tempos difíceis, pois quando os tempos são de bonança todos são bons, no tacanho entendimento da maioria.
Se calhar, neste miserável país, porque somos maus como cidadãos, temos o que merecemos.