Reflexões
É na letra da música “Sempre Ausente”, (www.youtube.com/watch?v=0fKWsZgwawU)  do Variações, que encontro afago quando desejo que os culpados/acusados/indiciados por crimes de colarinho branco escapem das garras da justiça.
A moda que hoje tenta culpar pela pobreza e endividamento do país ou até pela desigualdade, como ouvi ultimamente a uma ilustre procuradora jubilada, mais não é que uma, estúpida, caça às bruxas.
A exposição, o enxovalho e assassinato de carácter, seja de Rendeiro, Pinho, Campos, Manteigas, Pina, Mexia, Godinho, Vara, Penedos, Sócrates, Bava, Granadeiro, Berardo Duarte Lima, Arlindo Cunha, Oliveira e Costa ou Dias Loureiro entre outros, parecem-me sempre coisa ignóbil.
Entendo até que o caminho não devia ser o criminal e antes o cível, com pagamento dos valores com respetivos juros associado a processos de perda de cargo para os titulares e processos disciplinares para funcionários, caso se provasse que haviam prevaricado.
Deixa-me verdadeiramente triste/confuso que gente que foi por governantes e instituições dado como exemplo de construtores do engrandecimento do país, frequentemente endeusados pela populaça e admirados servilmente até condecorados em nome do povo, passem a ser tratados como criminosos e atirados para a miserável exposição para gáudio de carrascos, adversários políticos, imprensa e populaça em total semelhança com o atirar às feras dos condenados gladiadores no circo romano. Sim é de um circo que se trata. Pior, nesse circo, sinto-me um animal, o asno, por me terem enganado durante anos mostrando-me amiúde a extrema qualidade dessas pessoas que hoje me mostram como presumíveis criminosos. Detesto sentir-me enganado seja antes ou agora.
Tenta assim, com estes casos, um modelo insustentável e desigual, encontrar desculpa para as suas insuficiências e com elas vai manipulando as frágeis cabeças de quem tem que lutar para alcançar o pão de cada dia.
Devo lembrar que Portugal anda, há uma dúzia de anos, muito próximo da média Europeia em termos índices de corrupção. Acima dos 60 pontos em 100 e num índice em que o país melhor classificado tem 88 pontos. O que em termos classificativos nos deixa entre os 30 países menos corruptos dos 180 avaliados.
Mesmo assim a perceção dos portugueses é a de que em Portugal a corrupção é generalizada.
Depois não se admirem que os populistas de extrema direita vão capitalizando.
” Lá vai o maluco
   Lá vai o demente
   Lá vai ele a passar
   Assim te chama toda essa gente
   Mas tu estás sempre ausente e não te
    conseguem alcançar “

Dinis Jesus

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Reflexões

A Hipocrisia do Amor ao Povo

Estes amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor, que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas; vêem-se generosos e sensíveis quando se debruçam sobre a classe inferior e traduzem, na linguagem adamada, o que dela julgam perceber; é muito interessante o animal que examinam, mas que não tente o animal libertar-se da sua condição; estragaria todo o quadro, toda a equilibrada posição; em nome da estética e de tudo o resto convém que se mantenha.
Há também os que adoram o povo e combatem por ele mas pouco mais o julgam do que um meio; a meta a atingir é o domínio do mesmo povo por que parecem sacrificar-se; bate-lhes no peito um coração de altos senhores; se vieram parar a este lado da batalha foi porque os acidentes os repeliram das trincheiras opostas ou aqui viram maneira mais segura de satisfazer o vão desejo de mandar; nestes não encontraremos a frase preciosa, a afectada sensibilidade, o retoque literário; preferem o estilo de barricada; mas, como nos outros, é o som do oco tambor retórico o último que se ouve.
Só um grupo reduzido defende o povo e o deseja elevar sem ter por ele nenhuma espécie de paixão; em primeiro lugar, porque logo reprimiriam dentro em si todo o movimento que percebessem nascido de impulsos sentimentais; em segundo lugar, porque tal atitude os impediria de ver as soluções claras e justas que acima de tudo procuram alcançar; e, finalmente, porque lhes é impossível permanecer em êxtase diante do que é culturalmente pobre, artisticamente grosseiro, eivado dos muitos defeitos que trazem consigo a dependência e a miséria em que sempre o têm colocado os que mais o cantam, o admiram e o protegem.
Interessa-nos o povo porque nele se apresenta um feixe de problemas que solicitam a inteligência e a vontade; um problema de justiça económica, um problema de justiça política, um problema de equilíbrio social, um problema de ascensão à cultura, e de ascensão o mais rápida possível da massa enorme até hoje tão abandonada e desprezada; logo que eles se resolvam terminarão cuidados e interesses; como se apaga o cálculo que serviu para revelar um valor; temos por ideal construir e firmar o reino do bem; se houve benefício para o povo, só veio por acréscimo; não é essa, de modo algum, a nossa última tenção.
In ‘Considerações’

Agostinho da Silva

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Reflexões
“No Político, distingo dois momentos, o do presente e o do futuro. Principiando pelo segundo desejo o desaparecimento do Estado, da Economia, da Educação, da Sociedade e da Metafísica; quero que cada indivíduo se governe por si próprio, sendo sempre o melhor que é, que tudo seja de todos, repousando toda a produção por um lado no amador, por outro lado na fábrica automática, que a criança cresça naturalmente segundo suas apetências sem as várias formas da cópia e do ditado que têm sido as escolas, públicas e de casa, que o social com suas regras, entraves e objectivos dê lugar ao grupo humano que tenha por meta fundamental viver na liberdade e que todos em vez de terem metafísica, religiosa ou não, sejam metafísica. Tudo virá, porém, gradualmente, já que toda a revolução não é mais do que um precipitar de fases que não tiveram tempo de ser. Por agora, para o geral, democracia directa, economia comunitarista , educação pela experiência da liberdade criativa, sociedade de cooperação, e respeito pelo diferente, metafísica que não discrimine quaisquer outras, mesmo as que pareçam antimetafísicas. Mas, fora do geral, para qualquer indivíduo, o viver, posto que no presente, já quanto possível no futuro: eliminando o seu supérfluo, cooperando, aceitando o que não lhe seja idêntico – e muito crítico quanto este -, não querendo educar, mas apenas proporcionando ambiente e estímulos, e procurando tão largo pensamento que todos os outros nele caibam. Se o Futuro é a Vida, vivamo-la já, que o tempo é pouco: que a Morte nos colha vivos, e não, como é hábito, já meio mortos; aliás, suicidados.”

– PENSAMENTO À SOLTA, TEXTOS E ENSAIOS FILOSÓFICOS II, Âncora Editora, 1999, pp. 175 e 176 

Agostinho da Silva

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